Um legado de sonho e perseverança
Conheça a história da Educação Adventista na Paraíba, que foi repleta de desafios para se consolidar e se reerguer ao longo de 8 décadas
Rebbeca Ricarte
Em meio ao fervor religioso e às dificuldades de uma época marcada por tensões sociais, a década de 1940 na Paraíba testemunhou um capítulo de perseverança e fé. Foi nesse cenário que a Igreja Adventista do Sétimo Dia começou a firmar suas raízes educacionais na região. Desde a fundação da primeira escola adventista no Brasil em 1896, a missão sempre esteve centrada em dois objetivos: preservar a juventude dentro da igreja e formar novos obreiros. Mas, na Paraíba, essa missão enfrentaria desafios particulares.
A história no território paraibano começa em 1906, quando o adventismo chegou à vila de Pirpirituba, espalhando-se lentamente por outras cidades. No entanto, seria na década de 1940 que as primeiras escolas adventistas da Paraíba tomariam forma. Em 1940, uma escola foi inaugurada em Baixa Verde, e logo em 1941, uma segunda em João Pessoa. Essas escolas não apenas preparavam jovens para o futuro, mas também atraíam a atenção da comunidade para a mensagem adventista.
Um começo desafiador
O estabelecimento da escola em Baixa Verde, no entanto, foi marcado por uma tensão intensa. Na pequena vila, as crenças adventistas colidiam com o tradicionalismo católico da região. Quando Geronimo G. Garcia e Moyses S. Nigri, líderes da igreja, chegaram à localidade, foram recebidos com promessas de violência. Em uma manhã de sábado, enquanto os fiéis entoavam seus hinos durante a escola sabatina, uma multidão de 300 pessoas cercou o local. As pedras começaram a chover sobre o telhado, ameaçando a vida dos crentes e das crianças dentro do prédio. Gritos ecoavam do lado de fora, com ofensas e provocações inflamadas.
Mesmo em meio ao caos, a fé dos adventistas permaneceu inabalável. Nigri, agarrado à sua Bíblia, foi atacado pela multidão, mas se recusou a soltar o Livro Sagrado. Apesar das agressões, ele e seus companheiros conseguiram escapar. No final, a escola adventista de Baixa Verde continuou funcionando, servindo tanto durante o dia quanto à noite. Mesmo com as dificuldades, o trabalho missionário persistiu, e a escola chegou a ter 120 alunos.
O início na capital paraibana
Em João Pessoa, a história seguiu um curso diferente, mas igualmente desafiador. Em 1937, José R. dos Passos e Cleobulo Carvalho começaram a realizar conferências na cidade, enfrentando a oposição de pastores protestantes e uma população pouco receptiva. Mas, com perseverança, as primeiras conversões ocorreram. O Centro Educacional Adventista da Paraiba (CEAP) inaugurado em 1941, logo se tornou um centro de aprendizado e evangelismo, ainda que enfrentasse dificuldades financeiras e falta de material.
A missão adventista na Paraíba cresceu, com as escolas se tornando fortalezas de fé, proporcionando educação espiritual e protegendo os filhos dos adventistas de influências seculares. Mesmo em tempos de guerra e com poucos recursos, essas escolas perseveraram graças à dedicação dos crentes, que trabalhavam juntos para mantê-las. Ao longo dos anos, as instituições deixaram um legado de fé, resiliência e evangelização, sendo um exemplo de coragem e propósito diante das adversidades.
Memórias do pioneirismo
Assim como boa parte das escolas fundadas nos primórdios da Igreja Adventista no Brasil, em João Pessoa o formato dessa instituição era paroquial. Na lateral da igreja, foi construída uma estrutura de salas, com um pátio no meio. O professor unidocente era uma figura comum naquele início. Uma mesmo professora lecionando todas as matérias para diferentes turmas era uma cena corriqueira.
Vandelita Rodrigues recorda com carinho as memórias de sua mãe, Carmelita Pereira de Almeida, que foi diretora da escola, acumulando a função de professora unidocente. "Desde cedo minha mãe dedicou sua vida à educação. A escola era pequena, mas ela fazia de tudo para garantir que cada aluno aprendesse. Ela sempre dizia que a educação era uma missão", lembra Vanda, emocionada.
Vanda é uma das seis filhas de Carmelita e cresceu dentro do CEAP. "Eu estudei na escola adventista durante toda a minha infância. Minha mãe era minha professora, e foi ali que eu desenvolvi meu amor pela educação", conta. Em 1960, quando Carmelita precisou tirar licença maternidade, Eulina Ferreira Coutinho, então uma jovem de apenas 17 anos, entrou para substituí-la. Hoje, aos 77 anos, ainda se lembra vividamente de sua longa trajetória na escola onde serviu por décadas. "Era uma classe unidocente, eu tinha que ensinar crianças de diferentes idades em uma única sala. Foi desafiador, mas também muito gratificante."
Após um tempo, Eulina precisou fazer uma pausa para terminar seu curso de pedagogia, mas voltou logo depois. "A educação sempre foi minha paixão. Mesmo tendo que sair por um tempo para me qualificar, eu sabia que voltaria. E voltei. Permaneci lá por 40 anos, e cada dia foi uma nova oportunidade de aprender e ensinar."
As histórias de Carmelita, Vanda e Eulina se entrelaçam, formando uma narrativa de dedicação à educação. "Trabalhei muitos anos com Carmelita e vi como ela era dedicada. Ela formou uma geração de alunos com amor e sabedoria," reflete Eulina.
Expansão e desafios
Em 1982, com 18 anos, Vanda assumiu a sala de aula substituindo sua tia, a professora Joaninha. Nos anos seguintes, a escola passou por mudanças de direção, até que, em 1986, Vanda se tornou diretora interina e, logo depois, assumiu a função definitivamente. Durante seus 10 anos de gestão, ela liderou grandes transformações, incluindo a construção do piso superior e a expansão das turmas com a implantação do Fundamental II.
Um dos maiores desafios foi regularizar a autorização de funcionamento da escola, garantindo que todos os professores fossem habilitados. Vanda também liderou a compra de um terreno, por meio de Milton Afonso, que possibilitou a futura expansão da escola. Após uma década na gestão, ela decidiu se afastar em 1995 para se dedicar à família, mas o fechamento da escola foi um golpe difícil. "Era doloroso ver a escola fechar, uma referência para tantas gerações", relembra Vanda.
Hoje, Vanda continua sua jornada na educação como técnica em Bayeux, mas as memórias de sua época como diretora permanecem fortes. "A escola sempre será parte de quem eu sou. Todo o esforço foi com amor e dedicação, uma história que nunca vou esquecer", afirma.
Dificuldades e reformas
Em meados de 1992, Luiz Carlos Gondim foi chamado para deixar seu trabalho como pastor distrital na Igreja de Rio Doce, em Olinda, e assumir uma nova missão em João Pessoa. "Eu estava empolgado, pensando que ficaria muito tempo por lá, mas acabei ficando apenas um ano", recorda Gondim. O presidente da igreja na época, Gerson Fragoso, que tinha formação em filosofia e pedagogia, estava preocupado com a situação da escola adventista local, que enfrentava dificuldades financeiras e precisava de apoio para se restabelecer.
A escola era dirigida por Rosângela Gondim, esposa do pastor. Gondim apoiava como pastor distrital, e seu objetivo era transformar aquele pequeno espaço em um ambiente de eficiência, harmonia e alegria. "Fizemos o possível para revitalizar o ambiente. Pintamos o chão e até construímos uma arquibancada. Para as crianças, aquilo era tudo", lembra Gondim. A escola era paroquial, e toda sexta-feira o espaço precisava estar impecável para a escola sabatina.
Após um ano em João Pessoa, Luiz Carlos Gondim voltou para Recife, para atuar no departamento de educação, enquanto a escola continuava sob os cuidados da equipe local. "O mais importante naquele período foi evitar o fechamento da escola e criar um clima de harmonia, tanto no espaço quanto nas relações", reflete Gondim. "Foi um tempo de restauração, em que conseguimos renovar o ambiente e, mais importante, fortalecer a comunidade escolar."
O começo de um novo sonho
O sentimento saudosista de ter uma escola na capital paraibana residia no coração de muitos fiéis. No dia 5 de dezembro de 2012, aconteceu o lançamento da Pedra Fundamental do Colégio Adventista de João Pessoa, marcando o início da construção da primeira escola adventista na capital paraibana. O evento reuniu cerca de 100 pessoas, incluindo a administração da União Nordeste Brasileira e líderes da igreja para o Rio Grande do Norte e Paraíba.
A cerimônia foi realizada no terreno do colégio, no bairro Altiplano, e teve como orador o pastor Enildo Nascimento, que ressaltou a importância da educação cristã para a sociedade. A Pedra Fundamental foi preenchida com livros de Ellen White, um uniforme da escola e uma Bíblia, representando os valores da educação adventista. Ao final do evento, o pastor Moisés Moacir realizou uma oração de consagração, reafirmando que o colégio era "um sonho real".
Mudanças de planos
O sonho de ter uma escola ativa na cidade era maior do que os recursos na época para iniciar a construção. Foi então que surgiu a ideia de retomar as atividades da educação adventista na cidade de João Pessoa em um prédio alugado, até que fosse possível ter uma estrutura própria. No início de dezembro de 2016, Adriana Bispo chegou a João Pessoa com um grande desafio, sem saber ao certo o que a aguardava. "Quando cheguei, não fazia ideia de que seria a diretora", relembra.
Adriana Bispo enfrentou um cenário desafiador ao assumir a nova unidade escolar em 2017, substituindo uma instituição prestes a fechar e com apenas dois alunos remanescentes. Localizada no bairro de Cabo Branco, a escola começou com instalações modestas e apenas 42 alunos matriculados, oferecendo educação infantil até o quinto ano. "Éramos cinco funcionários para fazer de tudo", lembra Adriana, destacando os acúmulos de funções nos primeiros quatro anos.
Em 2018, o número de alunos aumentou para 130, e em 2019 a escola expandiu para o ensino fundamental II, atingindo quase 200 alunos. "Foi um período de reformas e de luta por licenças e alvarás", relembra Adriana, destacando a maratona para regularizar o funcionamento da escola e garantir acessibilidade. O esforço contínuo trouxe resultados significativos com o crescimento do número de alunos.
Em 2022, após cinco anos e meio de dedicação, a escola alcançou 242 alunos matriculados. "Nosso foco sempre foi o desenvolvimento das crianças e a qualidade do ensino", afirma Adriana. Orgulhosa, ela reflete sobre os muitos desafios superados e o legado de crescimento que ajudou a construir.
Em 2022, José Ailton Bezerra assumiu a direção da Escola Adventista de João Pessoa, liderando um período de grande transformação. Atualmente, a Escola Adventista de João Pessoa está em processo de transição. A nova unidade agora vira colégio, e o prédio é próprio, mas não no Altiplano, como foi sonhado em 2012, mas sim em Manaíra, um dos principais bairros da cidade, com ampla expansão na última década.
Sob a gestão de José Ailton, a instituição passou pelo processo de aquisição de casas no bairro para ampliação, obtenção de alvarás de demolição e preparação do terreno para a construção de novas instalações. Segundo o gestor, o que ele mais destaca nesse processo é a sensação de ser guiado por Deus durante todos os trâmites para transformar sonho em realidade. "E um dos momentos mais impactantes dessa administração foi testemunhar famílias entregando suas vidas a Cristo, um reflexo do poder espiritual gerado pelo trabalho educacional” destaca.
José Ailton ficou à frente da direção da instituição até final de 2023. Para ele, a nova estrutura física da Escola Adventista de João Pessoa foi alinhada à excelência da educação oferecida, com o objetivo de fazer o ensino adventista brilhar na cidade. "A expectativa é que a instituição continue a ser um espaço de transformação espiritual e acadêmica, levando muitas pessoas a conhecer Cristo através de suas ações e atividades", conclui.
Um futuro glorioso
Valcírio Alves, diretor financeiro para as igrejas do Rio Grande do Norte e Paraíba, compartilhou o relato das mudanças que culminaram na construção do Colégio Adventista em um novo terreno em João Pessoa. "Por que Manaíra?", ele reflete, explicando a escolha do bairro estratégico. "A ajuda da Divisão Sul-Americana e da CPB normalmente é destinada à compra de terrenos para igrejas, mas conseguimos uma exceção para adquirir o lote em Manaíra", conta. Assim, começaram as negociações para a compra de diferentes espaços com o apoio de corretores, com Gabriel assumindo como tesoureiro em 2020.
Foram seis negociações diferentes para adquirir todas as áreas necessárias, além de uma casa já existente. "Cada espaço precisava ser adquirido em conjunto, com todos os proprietários concordando ao mesmo tempo", relembra Valcírio. O processo levou entre quatro a cinco meses, sendo que a última negociação foi particularmente desafiadora, pois envolvia oito irmãos proprietários. No total, o terreno adquirido soma 3.300 metros quadrados, formando um conglomerado que, com as expansões, chega a 5.500 metros quadrados distribuídos em cinco pavimentos de colégio.
"Foi uma transição delicada, mas em seis meses conseguimos concluir a construção do novo colégio", relata Valcírio, destacando a rapidez e a eficiência com que o projeto foi executado, garantindo a continuidade e o crescimento da educação adventista em João Pessoa.
Segundo o diretor atual, Anderson Gonçalves, a instituição que oficialmente é inaugurada em 2 de novembro de 2024, é motivo de grande alegria para a cidade: "João Pessoa merece uma escola como essa. Chegamos com muitos diferenciais, que vão desde o currículo bilíngue, passando pelo amplo uso de tecnologias em uma estrutura de ponta, até o cuidado com o meio ambiente e questões sociais, apresentando, por exemplo, o voluntariado aos alunos de forma única. A Educação Adventista em João Pessoa trilhou um caminho muito árduo para chegar até aqui, e somos gratos a Deus por todas as suas bênçãos e direção!", finalizou.
Novo Colégio Adventista de João Pessoa - CAJAMPA em Manaíra.
Dos terrenos no Bairro de Manaíra
Do Ens. Fundamental II
Da Escola em Cabo Branco
Da pedra fundamental no terreno da escola no Altiplano.
Funcionamento do CEAP
Junto com a esposa Rosângela Gondim que assume à direção e conta com a ajuda do marido e pastor da igreja para o avanço da escola.
Filha de Carmelita, assume a direção do CEAP
Substitui Carmelita Pereira à frente do CEAP
Centro Educacional Adventista da Paraíba - CEAP